O lançamento do plano Meridional Saúde, promovido como a mais nova alternativa regional em saúde suplementar, tem gerado dúvidas entre especialistas, investidores e consumidores. A principal questão é: será que um grupo hospitalar em crise financeira, alvo de denúncias públicas sobre suas unidades, está pronto para administrar um plano de saúde?
Anunciado com cobertura ambulatorial e hospitalar e foco na Grande Vitória, o novo plano é operado pela rede Meridional, controlada pela Kora Saúde, que vive um dos momentos mais delicados desde sua entrada na bolsa em 2021.
Cenário financeiro crítico
Segundo informações publicadas pelo Valor Econômico, Seu Dinheiro e InvestNews, a Kora acumula uma dívida bruta de R$ 2,374 bilhões (dados de junho de 2024), com dificuldades crescentes de cumprir cláusulas contratuais com credores. A empresa anunciou recentemente o reperfilamento de suas dívidas, convocando assembleias para debenturistas e negociando inclusive waivers (perdão contratual).
Fontes ligadas ao setor financeiro ouvidas sob condição de sigilo relataram que a Kora estaria próxima de romper cláusulas de alavancagem (relação dívida líquida/Ebitda) e cogita até uma reestruturação mais profunda, que pode envolver troca de dívida por participação acionária.
A situação levou a norte-americana HIG Capital, controladora da Kora, a retirar a empresa do Novo Mercado da B3 em abril deste ano. Segundo o portal Relatório Reservado, já existem tratativas para vender o controle da companhia, com menções anteriores de interesse por parte da Rede D’Or e da Hapvida.
Dados mais recentes das demonstrações financeiras, divulgados em 31 de março, mostram que a empresa encerrou 2024 com prejuízo líquido de R$ 168,5 milhões, superando os R$ 158,1 milhões do ano anterior. O quarto trimestre foi ainda mais expressivo, com prejuízo de R$ 105,7 milhões, quase seis vezes maior que o mesmo período de 2023.
Apesar de ter mantido a receita líquida anual em R$ 2,26 bilhões, houve uma queda de 4% no Ebitda, que passou de R$ 456,5 milhões para R$ 437,3 milhões. A margem operacional, portanto, também vem se deteriorando.
Denúncias em unidades hospitalares
Além do endividamento, a empresa tem enfrentado forte desgaste institucional. Vídeos divulgados nas redes sociais pelo vereador de Serra (ES), Antônio Carlos (Republicanos), mostram supostas larvas em refeições servidas a pacientes no Hospital Meridional da Serra, inclusive na UTI. As imagens relatam ainda baratas em bandejas, sucos com odor alterado, mofo nas paredes, além de falhas no ar-condicionado e elevadores danificados, um risco generalizado.
“Isso é um desrespeito com a vida. Pacientes em estado grave estão sendo tratados como se estivessem num depósito”, afirmou o vereador em uma publicação.
O parlamentar afirmou que levará o caso à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), à Vigilância Sanitária e ao Ministério Público Estadual. Até o momento, a Kora não comentou publicamente os vídeos nem confirmou eventuais investigações internas.
Histórico do grupo em outro plano já operado
Enquanto promove o novo plano Meridional Saúde, a Kora mantém sob sua gestão a operadora Best Senior, voltada ao público da terceira idade e registrada como de pequeno porte na ANS. Com aproximadamente 10 mil beneficiários, a Best Senior apresenta:
- Nota 6,2 no Reclame Aqui, com reputação “regular” e apenas 53,8% dos clientes dispostos a contratar novamente;
- IGR (Índice Geral de Reclamações) de 124,9, número bem acima da média do setor;
- Principais queixas: demora na autorização de procedimentos, problemas com cobertura, mau atendimento e cobranças indevidas.
Em comparação, outras operadoras que atuam com o público sênior no Espírito Santo apresentam desempenho mais positivo:
- A MedSênior resolve demandas em média em 3 dias úteis (contra 8 dias da Best), tem reputação “boa” e 61,9% de retorno positivo de clientes;
- A Unimed Vitória lidera no índice de confiança, com 78% dos beneficiários declarando que contratariam novamente, segundo o site Reclame Aqui.
E o consumidor?
Especialistas ouvidos por portais financeiros apontam que o principal desafio da Kora, caso queira realmente consolidar o plano Meridional, será reconstruir a credibilidade da rede hospitalar, demonstrar capacidade operacional e conquistar um público exigente. O mercado já conta com operadoras experientes e consolidadas, além de uma crescente vigilância institucional e digital.
Enquanto isso, os consumidores capixabas devem redobrar a atenção ao avaliar não apenas o preço e a publicidade, mas também o histórico financeiro, reputação e capacidade de resposta das empresas que operam planos de saúde, critérios que devem ser considerados por todos, independentemente do grupo empresarial.